Após mais de dois anos do início das novas regras derivadas da reforma trabalhista, de novembro de 2017, no Governo do ex-presidente Michel Temer, o Ceará gerou apenas 19,6 mil vagas de trabalho formais. O balanço foi realizado pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares, baseado nas informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia. No período de dezembro de 2017 a setembro de 2019, o setor de serviços liderou a criação de empregos no Estado, com pouco mais de 22,1 mil empregos com carteira assinada. Já a construção civil encerrou o maior número: 3,2 mil vagas.
Pensada para flexibilizar a legislação trabalhista e criar novas modalidades de contratações, a reforma ficou aquém do planejado, e gerou postos em setores em que a crise econômica não teve tanto peso. No Ceará, o saldo de empregos formais foi positivo em cinco setores – administração pública (222), agropecuária (169), comércio (712), extrativa mineral (165) e serviços (22,1 mil). Outros três setores fecharam vagas: construção civil, indústria de transformação (-315) e serviço industrial de utilidade pública (-189).
Segundo Erle Mesquita, analista de Mercado de Trabalho do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), a maior parcela dos postos de trabalho, gerados no período do fim de 2017 até setembro deste ano, está inserida exatamente nas novas modalidades de contratação, como o trabalho intermitente e parcial.
“É um aspecto preocupante à medida que esses trabalhos têm por definição a baixa carga horária e a incerteza. Isso faz com que o padrão de rendimento dos trabalhadores seja menor e incerto, repercutindo no curto, médio e longo prazos”, explica.
Mesquita diz que no curto prazo há a incerteza de composição de rendimento do trabalhador e indefinição na jornada de vida: “O trabalhador não consegue se planejar. Como no médio e longo prazos, a base de contribuição desses trabalhadores que ganham menos será menor. Você tem incerteza na base de arrecadação trazendo grandes problemas, como para a Previdência”.
Conforme dados do IDT, o Ceará criou 7,1 mil empregos nas modalidades intermitente e parcial de novembro de 2017 a maio deste ano. Desse total, 4,6 foram de trabalho parcial e 2,5 mil intermitentes. Os setores de comércio e serviços geraram juntos nas duas categorias 6,2 mil vagas. O saldo também foi positivo nos segmentos da indústria, construção civil, agropecuária e extrativa mineral.
Atualização
Para Eduardo Pragmácio, consultor jurídico da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Ceará (Fecomércio-CE), a reforma trabalhista foi importante para atualizar a legislação e torná-la mais ágil e moderna. No entanto, ele discorda que a lei em si seja suficiente para criar emprego. Quando amplamente discutida há dois anos, as mudanças seriam a base para a criação de vagas, em uma época de crise econômica e política.
“O que cria emprego não é uma lei. O que cria emprego é desenvolvimento econômico. A pequena recuperação que a gente verifica no crescimento de emprego, na verdade é que a crise não se acentuou, ela parou de ficar ruim, então a legislação faz com que se crie uma ambiência mais favorável para a geração de empregos. O que está gerando empregos não é a reforma, mas uma série de fatores econômicos internos e externos”, acrescenta.
Ele destaca que as novas modalidades de contratação, a exemplo do trabalho intermitente, fizeram com que milhares de trabalhadores ingressassem no mercado. “A reforma foi boa para criar uma ambiência de negócios e isso vai gerando empregos porque o que gera empregos é desenvolvimento econômico. Foi boa nesse aspecto”.
Cautela
O analista do IDT é cauteloso neste ponto. Erle Mesquita acredita que as reformas ocorrem em períodos de crises e são encabeçadas sob o argumento de gerar mais oportunidades. “Infelizmente, você tem um processo de retirada de direitos, como aconteceu agora e nos anos de 1990.
Dessa forma, se não tiver uma relação negociada não tem uma boa alternativa de retomada do crescimento. Os governos sob pressão do desemprego e do empresariado acabam retirando direitos dos trabalhadores e mudando a legislação. Isso não traz benefícios na geração de postos de trabalho. E o grande problema é que quando há uma grande retomada da economia, ela (a reforma) permanece”.
Embora o período desde o fim de 2017 até setembro deste ano tenha saldo de empregos positivo no Ceará, Mesquita diz que nos últimos 14 trimestres a taxa de desemprego no Estado ainda permanece elevada. “Três em cada 10 desempregados no Ceará estão há dois anos na batalha pelo emprego, o que mostra que é uma realidade muito cruel. A partir de 2016, a principal forma de inserção dos trabalhadores no mercado foi por conta própria. 30% da nossa força de trabalho são trabalhadores autônomos. E 90% deles não têm formalidade alguma, estão alheios às intempéries do clima ou acidentes de trabalho. Nós estamos neste contexto que está cada vez mais evidente”.
Pragmácio, da Fecomércio, acredita que o pior já passou e que daqui em diante, o País vai viver melhorias contínuas. “Agora, a gente precisa ter em mente que é preciso equilibrar as relações de trabalho sem se esquecer de uma certa proteção social dos trabalhadores. Esse é o desafio de o empresário moderno, encontrar equilíbrio nas relações. A legislação está se modernizando, e nós estamos saindo daquela legislação paternalista e passando por uma mais moderna e democrática que privilegia a negociação entre patrão e empregado”, diz.
Construção
Quem mais fechou vagas formais em dois anos foi o setor da construção civil. Impactada negativamente pela crise econômica, o segmento amargou períodos de demissões e paralisia de obras e projetos. No entanto, Carlos Gama, vice-presidente da área imobiliária do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE), avalia que as mudanças na legislação foram positivas por conta da modalidade do intermitente.
“O trabalho intermitente permitiu que eu contratasse o mesmo eletricista, por exemplo, para quatro obras diferentes. Eu não preciso de um eletricista full time (tempo integral) naquela obra. Eu preciso meio dia, então eu passo a contratar o mesmo profissional na forma de trabalho intermitente para as quatro obras distintas”, exemplifica.
Sobre o saldo negativo de emprego, Gama diz que a reforma não teve efeito nenhum nisso e que ela poderia ter estimulado novas contratações. “E isso efetivamente não ocorreu por causa da crise econômica e política pelo qual nós passamos, tanto no mercado imobiliário como no Programa Minha Casa Minha Vida. Nós estamos vendo que este ano, com o atraso do Governo no pagamento das faturas das construtoras, não há condições de manter o seu efetivo e a única opção é demitir”.
Ele afirma que no Ceará o setor vai demorar mais um pouco para se recuperar e voltar a contratar. Ainda há estoque de imóvel à venda no Estado. “Hoje, o volume de unidades prontas no mercado para venda é muito grande. Então as construtoras estão segurando os novos lançamentos tendo em vista que os estoques de imóveis prontos ainda é muito grande. Eu não acredito que, antes do segundo semestre do próximo ano, a gente volte a ter um volume de contratações maior do que demissões”, completa.