(Foto: Rádio Fm Opção)
Com o título “Código da Cidade: privilégio sectário”, eis o Editorial do O POVO desta sexta-feira. Uma crítica a uma decisão dos vereadores de Fortaleza de não incluir templos religiosos na Lei do Silêncio. Confira:
O Código da Cidade foi aprovado, nesta quarta-feira, pela Câmara Municipal de Fortaleza substituindo o anterior, de 1981. A falta de vigilância dos cidadãos permitiu a aprovação de uma emenda absurda, privilegiada e inconstitucional: a exclusão de templos religiosos da obrigação de respeitarem a Lei do Silêncio. Com isso, interesses segmentais ganham primazia em detrimento do interesse público, no momento em que incontáveis pessoas experienciam o suplício de morar nas imediações de centros de culto religioso e, por conta disso, têm de conviver com o inferno do barulho promovido pelo som altissonante dos equipamentos eletrônicos.
Ora, a poluição sonora é uma questão de saúde pública, pois interfere no organismo das pessoas, causando estresse, desequilíbrios emocionais e uma cadeia de efeitos que afetam não só a saúde mental e psíquica, mas se somatizam em doenças físicas (gerando-as ou agravando-as). Suas maiores vítimas são as crianças, os idosos e os enfermos, de modo geral, que são torturados pelo massacre sonoro, no próprio recinto do lar, por viverem nas cercanias de algum desses lugares de culto. Isso é paradoxal e inaceitável, do ponto de vista religioso, pois o primeiro dever de um credo qualquer é criar condições de harmonia em no entorno de seus lugares de culto (e não de desassossego e indignação) para que as pessoas não vejam neles uma agressão a seus direitos humanos e de cidadãos e ao próprio convívio familiar. É preciso respeitar, inclusive, quem tem fé diferente e não acredita que Deus seja surdo e precise de ser alcançado com berros e gritos. Ademais, ninguém pode impor sua crença a outrem. Isso gera intolerância, atingindo a paz social pelos reflexos na relação entre as pessoas, no dia a dia: irritabilidade, desavenças, agressões e tantos outros males.
Independentemente disso (sem que signifique qualquer preconceito contra a fé religiosa), há uma questão de ordem institucional: o Estado é laico e deve tratar todas as organizações e entidades da sociedade civil de modo igual, no que tange à subordinação aos direitos humanos e cidadãos. Assim, um templo religioso, um clube social, um sindicato ou uma empresa estão submetidos aos mesmos parâmetros legais, quando se trata do acatamento desses direitos. E o desfrute do silêncio no recinto do lar é um deles.
Se o art. 56 da Lei Orgânica Municipal (LOM), que dá aos cidadãos o direito de vetar leis impróprias, estivesse vigendo, haveria uma solução democrática (é por isso que o Tribunal de Justiça deveria suspender o óbice incompreensível ao artigo). Contudo, os próprios vereadores poderiam corrigir o retrocesso. Liberdade religiosa não se compatibiliza com a imposição de credos, goela abaixo. Não estamos mais na Idade Média. Ou estamos?
*Confira o Editorial do O POVO desta sexta-feira aqui.